sábado, 3 de novembro de 2007

Um grande desafio

Entre setembro e outubro de 20 anos atrás conheci extremos que me marcaram muito. Modificaram meu foco no modo de viver.
Eu vivia uma gravidez até então desconhecida e fui supreendida por um sangramento muito diferente, de coloração marrom e textura encorpada. Nessa época era acompanhada por um médico que, no próprio consultório, fez um rápido exame, me contou a novidade congratulando, informando meu tempo de gestação, data possível de nascimento do bebê (segundo ele, 16 de maio). Passado esse primeiro momento, não veio absolutamente nada que normalmente faria parte da rotina clínica. Exames de imagem, sangue, enfim, o esperado para um bom pré-natal. Fiquei naquela espera e nada. Insisti um pouco sobre o aspecto do sangramento....nada ainda.
Em casa, me sentia completamente insegura, com aquele persistente estado e ainda com cólicas. Sentia que as coisas não estavam bem, aquilo não era normal. Ter saído daquele consultório sem um único pedido de exame não era normal.
Eu só fui piorando, pois o sangramento aumentou em volume, as dores foram gradativamente se intensificando. Eu fazia contato com o tal "médico" e ele em nenhum momento quis me ver, me atender, ou se mostrou preocupado. Disse que deveríamos rezar, pedir a Deus que não fosse nada muito sério...mas eu dava toda a descrição do que acontecia comigo! Ainda assim nada parecia ser tão sério assim.
Só que em questão de 5 dias, já não tinha forças nas pernas, fui ficando bem debilitada. Ficava deitada e sentia perfeitamente quando meu corpo ia expulsar mais um jorrão de sangue. Aí eu já estava na casa de minha mãe. Ligando pro médico, falando das dores, das contrações, em vão...
Mais 2 dias perdendo muito sangue, em maior volume e perdi tudo que havia dentro de mim. Em casa mesmo, como se não tivesse direito a nada. Claro, depois disso, este "médico" me fez uma curetagem. Mas ele não parou por aí.
Após toda essa luta contra o que meu próprio organismo queria e precisava fazer, conheci algo diferente de tudo que já conhecia sobre temores, angústia. Nada, nada antes foi tão assustador e paralisante. Conheci a depressão, na sua forma real de doença, com todo o poder destrutivo que ela pode alcançar. Eu não sabia que era daquele jeito. Como a maioria das pessoas, eu acreditava que estar triste demais, mesmo com bons motivos significava depressão. E não é nada disso. Tive sensações físicas e mentais que não produzi conscientemente. Na verdade eu nem estava tão entristecida assim.
Mais de uma semana depois do aborto eu estava de volta ao trabalho, na sala de aula, e tive uma espécie de "apagão". Meu cérebro parou de funcionar por instantes e quando voltei a mim, na frente de meus alunos, estava com um pavor louco, irracional, e saí correndo. Fui até a secretaria e todos me acudiram , preocupados com o que viam. Minha figura estava modificada. Me sentia com tanto medo, parecia que algo terrível iria me alcançar em segundos e eu não tinha defesa alguma. Nessa pausa em que saí da sala de aula, ouvi de tudo. Que estava sem vitaminas e potássio pela anemia, que o meu tremor era isso, que minha cabeça era aquilo...ok, recebi carinho e depois fui pra casa. Nem imaginava que tudo estava só começando...
Foi um longo período. Período de estar imersa em várias sensações de pânico, falta de apetite, uma grande carência. Se fosse possível, sairia de meu próprio corpo, pois sentia medo dele. Às vezes, quando vinham aquelas ondas de angústia exacerbada, ficava com raiva de mim mesma, ficava fora de controle, me auto punia de várias formas. Em geral eu me isolava pra sofrer tudo, fugindo de ouvir de alguém qualquer palavra que me confundisse. Quando começava a ouvir qualquer pergunta sobre meu abatimento ficava nervosa, irritada, pois nada sabia do meu presente nem do meu futuro. Só sabia que queria meu passado de volta, a minha pessoa de quem gostava, que estava num momento tão bom de vida, de volta. Tinha um verdadeiro pavor de engravidar de novo. Com isso, me tranquei verdadeiramente, como se isso pudesse me manter um pouquinho segura. Minha vida social, de todas as formas se tornou um lixo, um nada. Era quase impossível me relacionar. Não dava pra brincar muito, pra sorrir à toa, pra amar. Quase todos os dias acreditava estar com uma nova doença. Aquele tal "médico" reforçou todo esse sentimento. Ele não recomendava que eu procurasse ajuda psicológica ou psiquiátrica alguma. Segundo ele, eu me tornaria uma dependente, não teria vida. Não tive foi enquanto permiti que ele me atendesse como médico. Definitivamnete foi um grande erro. Ele foi o que de mais negativo aconteceu durante esse tempo.
Via todas as coisas de forma igual. Tudo era sem luz, sem cor, sem vibração. Eu me fazia muitas perguntas. Todas vinham ao mesmo tempo, embaralhadas, sem organização. Mas era só esse amontoado, não haviam respostas. Eu me perguntava como era possível viver sem me alegrar para nada. Sem motivação, sem amor, sem alma.... sem ALMA. Isso foi o que descobri. O ponto principal.
Perder minha própria matéria foi o que abriu todo esse vazio. Eu era o vazio entre minha pessoa e aquela que não pôde ficar dentro de mim. Eu não sabia que esse espaço era tão grande assim!!! Vaguei, vaguei muito, completamente perdida. Me lembro bem de uma tarde em que me encostei numa parede e tive uma espécie de delírio, em que me vi dentro de um rodamoinho.Estava ali dentro, sendo levada toda contorcida.Foi escurecendo, porque fui sumindo. Parece que estive morta por um momento. Quando "acordei" estava chorando muito e gritei pra Deus me salvar! Não tinha como retomar a direção, achar o caminho de volta, por falta de conhecimento mesmo, de informação. Não sabia que podia ser ajudada , até com medicamentos. Não houve esse esclarecimento na época.
Só me sobraram 2 coisas fundamentais. Por algum motivo, Deus me queria vivendo essa experiência, conhecendo a fundo e compreendendo essa doença, o vazio. Hoje, já estudei muita coisa, me permito ter alguma autoridade sobre o tema. Outra foi o apoio incondicional e assíduo do meu amor. Eu não sabia o quanto esses cuidados de amor, carinho e paciência me ajudavam e faziam a diferença. Ele me mantinha ligada à vida, só que eu não percebia. É assim que acontece. Só após um ano, quando eu fui voltando, é que comecei a entender isso. Aí era hora de abandonar a minha velha muleta (o doutor). Comecei a sentir um pouco de vida voltando. Foi bem aos pouquinhos.
NASCI DE NOVO! TIVE UMA NOVA CHANCE!!!!
Infelizmente, muitas pessoas passam por algo parecido e não identificam, não se tratam adequadamente, nem sequer recebem apoio. É que ao redor, a maioria ignora o que seja esse mundo da depressão. As pessoas, em geral, não acreditam que algum fato (às vezes nem tão grave) possa transportá-las sem aviso pra lá. Hoje mesmo acompanhei pela TV o caso de um senhor que esteve nesse "mergulho" pela perda da identidade profissional. Achei interessante como ele denominou a depressão. Ele ficou quase um ano sem motivação, sem alegria, sem ser alguém pra família. Ficou prostrado e inerte, confuso.Graças a Deus ele foi ajudado (mesmo sem entender nem participar) e hoje está trabalhando novamente e se levantou, sente orgulho do que reconquistou. Deu conselhos importantes pra quem pudesse estar passando por isso.
Por isso tudo gosto demais quando posso ser alguém pra outro alguém, se há a presença de algum sintoma desses, fico preocupada, pensando na vida que pode se perder sem mais nem menos. Em tudo que passei... É tão bom quando a gente pode fazer a diferença!!
Deus, agradeço com toda verdade por esse grande desafio, por esse grande aprendizado!!